top of page

Recusa do superficiário em conceder a anuência para o licenciamento ambiental



ree

A atividade de mineração, por se enquadrar como atividade potencialmente poluidora e causadora de degradação ao meio ambiente, deve ser submetida ao licenciamento ambiental, conforme Resolução 237/1997 do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA.


Por sua vez, o procedimento para obtenção da licença ambiental exigirá, dentre outros documentos, a juntada da autorização do superficiário da área onde se situa a jazida.


Ocorre que em muitos casos o proprietário do solo se recusa a conceder a anuência, o que constitui fator complicador para a regularização da mina, causando, por consequência, a impossibilidade de licenciar o empreendimento minerário.


Considerando que a atividade de mineração é considerada de utilidade pública, a ser exercida no interesse nacional, conforme disposto no Regulamento do Código de Mineração (Decreto nº. 9.604/2018), terá predominância sobre outras atividades econômicas e sobre interesses privados (Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado). Segue a transcrição do dispositivo:


Art. 2º São fundamentos para o desenvolvimento da mineração:

I - o interesse nacional; e

II - a utilidade pública.

Parágrafo único. As jazidas minerais são caracterizadas:

I - por sua rigidez locacional;

II - por serem finitas; e

III - por possuírem valor econômico. Grifo nosso


A atividade de mineração possui, ainda, a característica da rigidez locacional, de forma que os bens minerais apenas podem ser explorados nos locais de sua ocorrência geológica, não cabendo ao minerador a escolha de onde instalar seu empreendimento.


Em virtude disso, justifica-se a separação jurídica entre a propriedade do solo e das jazidas (art. 84 do Decreto-Lei 227/67) e a criação de mecanismos legais para viabilizar o desenvolvimento das atividades minerárias.


Analisando sistematicamente o Código de Mineração, infere-se que não constitui faculdade e sim dever do proprietário do solo permitir o ingresso e o exercício das atividades minerárias por aquele que detém a autorização competente.


Deste modo, os Requeridos estão obrigados, por força de lei, a permitir o ingresso no imóvel para o início das atividades minerárias no local. E, com mais razão, são compelidos a conceder a anuência para o licenciamento ambiental da área.


A função social da propriedade é cumprida quando a propriedade atende aos requisitos elencados no art. 186 da Constituição Federal, dentre eles, destaca-se o inciso II: “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente”.


Os imóveis mineralizados são imprescindíveis ao desenvolvimento da atividade mineral e, portanto, cumprirão sua função social quando seguir com sua vocação mineral. Nesse sentido, a jurisprudência tem se manifestado:


Inicialmente, é importante ressaltar que há muito o direito de propriedade não é tomado como algo absoluto, intangível e irrestrito, sendo certo que, muito embora tenha sido elevado a um direito fundamental, é necessário que a propriedade atenda a uma função social e ambiental.

(TJPA. Agravo de Instrumento nº. 2012.3.018542-8. Relator: Des. Roberto Gonçalves de Moura. Data do Julgamento: 23/05/2013, Publ. 27/05/2013).


Logo, a negativa do superficiário em autorizar o início do licenciamento ambiental por mero capricho é totalmente descabida, como enfatizado por Willian Freire (Direito Minerário – Acesso a imóvel de terceiro para pesquisa e lavra, Ed. D´Plácido, 2020, p. 246):


Alguns órgãos ambientais impõem, desnecessariamente, previa anuência do proprietário ou do possuidor do imóvel para que o processo de licenciamento ambiental seja iniciado. Muitas vezes, o superficiário nega esse consentimento por mero capricho (...).


Essa resistência é indevida, porque, diante da função social da propriedade, o proprietário não deve se opor ao desenvolvimento de atividades de utilidade pública por mero capricho. Na hipótese de confronto com a atividade mineral, como na desapropriação ou nas servidões administrativas em geral, a vontade do administrador público deve prevalecer.


A resistência do superficiário em conceder a autorização para o licenciamento ambiental configura abuso de direito e inflige ao minerador o risco de perder seu direito por descumprimento da obrigação prevista no art. 31 do Regulamento do Código de Mineração.


O abuso de direito encontra previsão legal no art. 187 do Código Civil: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.


Mais uma vez, vale a transcrição dos ensinamentos de Willian Freire (Direito Minerário – Acesso a imóvel de terceiro para pesquisa e lavra, Ed. D´Plácido, 2020, p. 247):


Criar obstáculos e negativas a requerimentos para o exercício de atividade de interesse nacional e de interesse público que não causam prejuízo ao imóvel ou à atividade neste exercida configura excesso de resistência, por isso, ilegítima, e tem a mesma natureza do abuso de direito, porque “[...] não se constitui em faculdade e sim dever do proprietário do solo permitir o ingresso e o exercício das atividades minerárias, atividade de interesse nacional e de aplicação do princípio da função social da propriedade”. Grifo nosso.


Ratifica o exposto o precedente jurisprudencial abaixo colacionado:


RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – CAUTELAR INOMINADA – PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL – REJEIÇÃO - PESQUISA DE MINÉRIOS – ALVARÁ CONCEDIDO PELO ÓRGÃO COMPETENTE (DNMP) – PROIBIÇÃO DE ENTRADA PELA PROPRIETÁRIA DA ÁREA – ILEGALIDADE – RECURSOS MINERAIS QUE CONSTITUEM PROPRIEDADE DISTINTA DO SOLO E PERTENCEM À UNIÃO – AUSÊNCIA DE CONCESSÃO DE LAVRA – DANO INEXISTENTE – REQUISITOS DA CAUTELAR PRESENTES – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1) Tendo a exordial sido aparelhada com todos os documentos necessários, apontando com precisão a pretensão cautelar e destacando, de forma expressa, a causa de pedir e os pedidos, é de ser afastada a alegação de inépcia da inicial. 2) A avaliação dos requisitos para autorização de pesquisa mineral compete ao Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM, que, verificando o cumprimento das exigências, determinará a expedição do alvará de pesquisa. 3) A Constituição Federal estabelece que os recursos minerais constituem propriedade distinta do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, a qual pode conceder ao particular, através de observância dos ditames legais, o direito de pesquisa. Concedido o Alvará de Pesquisa pelo órgão competente, revela-se arbitrária a conduta do proprietário que obsta o acesso da cessionária em sua propriedade. (AI 98986/2011, DESA. CLARICE CLAUDINO DA SILVA, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Julgado em 04/07/2012, Publicado no DJE 12/07/2012). Grifei


A atuação do Poder Judiciário a fim de sanar a conduta ilegítima e abusiva do superficiário na recusa da autorização necessária ao licenciamento ambiental é medida imprescindível para a regularização da atividade.


Em se tratando de mera autorização para o licenciamento ambiental, que constitui fase inicial do procedimento, não há que se falar em pagamento de rendas e indenização prévia, tendo em vista que o consentimento para o licenciamento ambiental não importará em ocupação do imóvel e, consequentemente, não causará nenhum dano ao imóvel.


Nesse sentido, Willian Freire destaca (Direito Minerário – Acesso a imóvel de terceiro para pesquisa e lavra, Ed. D´Plácido, 2020, p. 252):


Suprimento de consentimento para simplesmente possibilitar o início do processo de licenciamento ambiental não gera direito a nenhuma indenização para o superficiário. Não há indenização por danos pela ausência destes; não há indenização por renda porque não há ocupação do imóvel. Grifei


Segue abaixo, precedente jurisprudencial que ratifica a possibilidade de suprimento judicial de consentimento do superficiário para fins de obtenção do licenciamento ambiental, sem a necessidade de prévia indenização diante da ausência de ocupação e danos ao imóvel. Vejamos:


APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - SUPRIMENTO JUDICIAL DE CONSENTIMENTO DAS PROPRIETÁRIAS SUPERFICIÁRIAS, PARA FINS DE OBTENÇÃO DE LICENÇA DE INSTALAÇÃO JUNTO AO INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ (IAP) - APELANTE QUE POSSUI O DIREITO DE EXPLORAÇÃO DE MINÉRIOS NO CORRESPONDENTE SUBSOLO - ALEGADA NECESSIDADE DE PRÉVIA INDENIZAÇÃO - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO LEGAL OU REGULAMENTAR PARA TANTO - ART. 27 DO CÓDIGO DE MINERACAO QUE É APLICÁVEL À ETAPA DE PESQUISA, JÁ CONCLUÍDA NO CASO CONCRETO - LEGISLAÇÃO QUE, CONTUDO, GARANTE O DIREITO DE PARTICIPAÇÃO DO PROPRIETÁRIO DO SOLO NO RESULTADO DA LAVRA - SENTENÇA INTEGRALMENTE REFORMADA - PEDIDO INICIAL JULGADO PROCEDENTE - INVERSÃO Apelação Cível nº 1.695.516-3 fls. 2 de 13 DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS - APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA.VISTA, relatada e discutida a matéria destes autos de Apelação Cível nº 1.695.516-3, originária da Vara Cível da Comarca da Lapa, em que figuram, como apelante, CLAYTON TREVISAN F.I., e, como apeladas, AREAL ITABAÚNA LTDA. - ME E OUTRAS. I - RELATÓRIO (TJPR - 6ª C.Cível - AC - 1695516-3 - Lapa - Rel.: Desembargador Carlos Eduardo Andersen Espínola - Unânime - J. 19.09.2017) (TJ-PR - APL: 16955163 PR 1695516-3 (Acórdão), Relator: Desembargador Carlos Eduardo Andersen Espínola, Data de Julgamento: 19/09/2017, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 2122 29/09/2017). Grifei.


Considerando todo o exposto, o minerador não poderá ficar à mercê da vontade do superficiário em conceder autorização para o licenciamento ambiental, motivo pelo qual deverá acionar o Poder Judiciário a fim de obter provimento jurisdicional que supra a ausência do documento.


 
 
 
bottom of page